quarta-feira, 25 de julho de 2007

Exclusão dentro da exclusão dentro da exclusão

INTRODUÇÃO

Compete-me a mim hoje falar de exclusões dentro das exclusões ou, se quiserem, de aspectos transversais da exclusão social. Infelizmente, se nós próprios somos vítimas, ou objectos, de muitas exclusões, também é verdade e triste que na nossa comunidade também se pratica muita exclusão. Isto acontece, não porque sejamos maus ou piores do que os outros, mas porque vivemos e crescemos num mar e numa cultura de exclusões, que acabamos por assimilar e por assumir inconscientemente, num discurso maioritário que, embora não nos sirva e nos manipule, acabamos por usar contra os outros e, afinal, contra nós próprios. Nesta comunidade de que fazemos parte e que é tão poliédrica e multifacetada com gostos e desgostos para tudo, eu poderia dizer que há homossexuais racistas, mas que são capazes de instrumentalizar essas pessoas que ostracizam para fins exclusivamente sexuais: há homossexuais xenófobos; há homossexuais misóginos e que detestam as mulheres, como aliás muitos homens sexistas; há homossexuais jovens que abominam os seniores ou a 3ª idade; há homossexuais profundamente classistas que só se revêem no seu estatuto social e, enfim, há homossexuais que não toleram a deficiência por medo, por ignorância, por preconceito herdado.

SURDOS

Vou começar por pensar na comunidade surda. Dizem os surdos que são os ouvintes que fazem da surdez um problema. Os surdos são, em geral, uma minoria cultural que tem um património próprio, com uma uma língua própria, a linguagem gestual. Mas a cultura dominante na nossa sociedade é um discurso oral ou escrito, sendo-nos difícil admitir que se possa comunicar de outro modo. É um pouco o que acontece com a sexualidade dominante hetero, que tem muita dificuldade em aceitar outras formas de expressão sexual para além da sua, que pretende impor como exclusiva. Entretanto, aqui denoto uma diferença: enquanto os hetero, em grande parte, excluem os homo ou bi, na comunidade surda, a convivência entre hetero e homo surdos é muito boa e não existe praticamente discriminação. Quem discrimina os gays surdos são em geral os gays ouvintes, que, aqui, e mais uma vez, partilham da convicção maioritária de que a única língua válida é a oral. Assim, para nós, eles são portadores de deficiência, enquanto os surdos se consideram a si próprios simplesmente "pessoas diferentes".

Durante séculos, nós ouvintes, decidimos por eles o que lhes era conveniente e só recentemente se começou a reconhecer a pessoa surda como detentora de um estatuto jurídico, como pessoa diferente. Por isso, os surdos, hoje, reivindicam uma sociedade multi-cultural, tolerante e solidária (tal como a comunidade LGBT), com a efectiva promoção da igualdade de oportunidades entre ouvintes e surdos e, nesse sentido, é necessário respeitar o seu> direito fundamental de comunicar, que se realiza através da lingua gestual.

CEGOS

Passo agora ao exemplo da cegueira. Fui visitar o blogue do Tadeu Bengala. O Tadeu tem 33 anos, é cego de nascença e homossexual. Criou o blogue para "apoiar pessoas que, descobrindo-se homossexuais, se julgam num beco sem saída por serem cegas e gays". O Tadeu diz-nos que a sexualidade das pessoas com deficiência é relegada para segundo plano, porque subsiste a crença de que os deficientes são desprovidos de sexualidade ou então que ela não tem importância neles. Os gays cegos sofrem um duplo preconceito: sofrem por parte dos homo por serem deficientes, logo sem sexualidade, e até da própria comunidade de deficientes que, sendo hetero, não entende que possam ser gays. O Tadeu Bengala, no seu blogue, pretendendo uma abrangência que nem sempre encontramos no nosso grupo, diz-nos: " Desejo que os que me visitarem, gays ou não, cegos ou não, mas que de alguma forma se sentem atingidos por algum tipo de preconceito, sintam que não estão sós e não passem pelo mesmo sofrimento silencioso de 8 anos por que eu passei. Hoje sou feliz e não tenho vergonha de mim mesmo!" Ele dá-nos alguns conselhos para aprendermos a viver e deixarmos de nos sentir desconfortáveis diante do diferente:

- não devemos fazer de conta que a deficiência não existe porque isso é ignorar uma importante característica do indivíduo em questão;

- devemos aceitar a deficiência mas não a subestimar nem sobrestimar;

- devemos aceitar que as pessoas deficientes têm o direito, podem e querem tomar as suas próprias decisões e assumir as suas responsabilidades;

- a pessoa com deficiência não se importa de responder a perguntas sobre a sua deficiência, mas devemos dirigir-nos a ela e não aos seus acompanhantes ou intérpretes;

- devemos oferecer ajuda de forma adequada mas não nos ofender se for recusada;

- se não soubermos fazer alguma coisa que um deficiente peça, devemos sentir-nos livres para recusar;

- no convívio social ou profissional, não devemos excluir as pessoas cegas dessas actividades, mas deixá-las decidir dessa participação;

- podemos usar os termos "veja" e "olhe" porque não se ofendem;

DEFICIÊNCIA MOTORA

Passemos agora às pessoas com deficiência motora. Pessoas que usam bengalas, muletas, cadeiras de rodas... Estas são quase uma extensão do seu próprio corpo. Por isso, deve-se ter cuidado na manipulação destes objectos. Chamo a atenção para os casos de homens e mulheres homossexuais que são paraplégicos. Muitos são-no por causa de um acidente que os pôs nesse estado, mas antes já eram gays ou lésbicas e vão continuar a sê-lo pela vida fora. Para muitos, torna-se extraordinariamente difícil encontrar um(a) parceiro(a) ou uma relação estável, mas eu conheço casos em que isto acontece. Muitos socorrem-se da Internet para abrirem novas janelas para a sua vida, tal como muitos de nós estabelecemos relacionamentos válidos pela net. A dificuldade está, muitas vezes, em ser aceite pelo interlocutor quando sabe com quem está a falar. O Tadeu contou-me que cortaram imediatamente uma relação com ele quando souberam que era cego. Também me referiu que, numa sauna, não o deixaram entrar, embora viesse acompanhado de um guia gay. Devo acrescentar que 15% dos sites públicos e muitos locais públicos não cumprem os requisitos mínimos de acessibilidades, embora no sector privado haja mais sensibilidade para esta questão, por razões que se compreendem.

CONCLUSÃO

Vemos que há aqui um imenso território a desbravar e uma necessidade de> desenvolver uma cultura pela diversidade, tolerante, solidária e multi-cultural, que sirva a todos e todas, e uma educação para a cidadania, também na nossa comunidade.

António Serzedelo (intervenção no debate sobre Orientação Sexual na Festa da Diversidade)

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